QUANTAS LÁGRIMAS
Caíram umas lágrimas minhas
No andar de baixo
Ou no corredor
Ou no pátio da garagem.
Sei lá.
Perdi de vista.
Tantas eram
Que perdi a conta.
Como colar de contas
Que de repente
Arrebenta
Explode aos borbotões
Escorrendo.
Elas saem correndo
Felizes
Brincando
Procurando um esconderijo
Enquanto uma
Conta até dez.
Tantas lágrimas contei hoje
Que em vez de lenço
Passei o pano no chão.
– Ai, lá vem o meu vizinho
Reclamar de infiltração!
INVERNO
Diz minha amiga
Que estou fechada.
– É que há muito não nos vemos.
Fechada!
– Escrevendo.
Fechada!
– É inverno!
Conhecendo o meu verão
Ela ri.
Mas como fechada
Se nunca ninguém antes
Desconhecidos, amigos ou amantes
E nem mesmo eu
Algum dia viu algo tão meu
Que só agora
Toco, escrevo e mostro?
Como fechada
Se qualquer um que me ouça ou leia
Vislumbra a deusa e o monstro
A cada verso mais linda e mais feia?
Mais que aberta
A vida super exposta
Arrombada até.
Fechada, sim.
Reclusa, recosturo
Rememoro, revolvo.
Às vezes, regurgito
Partes de mim.
Fechada.
Para vendilhões que um dia
Invadiram meu templo.
Fechada, sim.
Tantos querendo abrir
Portas e janelas
E eu só agora
Aprendo a fechar as minhas.
ÓTICA
Faz tempo não escrevo.
Engolida pela vida prática
Lavo roupa
Passo roupa
Arrumo a casa
Banco
Supermercado
A vida passa.
Tomada pela estética
Vou ao cinema
Ao teatro
Ginástica
Praia
Amigos
Festa
A vida me abraça.
Devorada pela casa trágica
O prazer é ralo
Afundo em procura mística
No amor me embalo
A vida cresce.
Mas quando deito
Não encontro lógica
Se perco a mão
Esqueço a mágica
A vida coça.
Então sento e escrevo.
Aí eu me lembro:
É que escrever dói.
Reviro do avesso
Gravando em relevo:
A vida merece.
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