AUTO-RETRATO
(Soneto sem uma orelha)
Na sombra azul da quase angústia, um rosto.
Com seu olhar de soslaio e ironia,
sem luz que o perpasse, me desafia
à própria face de enigma transposto.
Pelos mais negros presságios de agosto
e a vocação de ter por companhia
tantas palavras doentes da poesia,
solidão permanente, ele é composto.
O quadro é um espelho, meu duplo, a esfinge.
Do que em mim lhe devora se fez a
dor que o rosto na tela agora finge.
Expressão que jamais se me revela,
por inteiro, o enigma dessa tristeza
surpreendentemente bela.
QUASE VERÃO
Preso à solidão dos dias,
observo
a tarde entornando-se em luz
sobre estas árvores.
Vibra,
nas frestas da sombra
lançada ao chão da praça,
teu nome
soletrado em brasas.
A mão invisível do Tempo
arde em meu ombro
como a bátega de sol
sobre a cidade.
OLHAR BARDO
Para o poeta Mário Mirandressa
Estão lá, no silêncio
sem azul nem luz.
São sombras
dançando na escuridão
essas palavras.
Deus, invisível, sussurra imagens
ao olho bardo que o transvê.
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